Então é Natal
 



Cronicas

Então é Natal

Cátia Porto


Fim de dezembro, quase véspera de Natal. Aquela confusão nas ruas e no comércio, gente com pressa, filas enormes. Uma agitação que não me agrada. Mas a minha família sempre amou a data e lá fui eu com a listinha de compras para a ceia.

- Preferencial! - a mocinha gritou de um dos caixas.

Todos olharam para um senhor de expressão tranquila, parado bem na minha frente. Talvez os mais jovens, naquele momento - apenas naquele momento! - até invejassem a sorte de ser idoso.

- Pode passar para o próximo preferencial, por favor - o senhor respondeu, calmamente, olhando para trás - Estou sem pressa?

Uma senhorinha abriu caminho com seu carrinho quase vazio, muito agradecida. E eu só pensava em correr para casa, tanta coisa para fazer ainda. Não adiantou ter escolhido o mercadinho pequeno da esquina. Parece que todo mundo teve a mesma ideia. Peguei a carteira para adiantar, afinal eu deveria ser a próxima a ser atendida pelo caixa comum.

- Quando criança, essa era a minha época do ano preferida - o senhor me disse, em tom de confidência, aproximando-se mais de mim.

- Minha família também gosta muito do Natal - respondi - Eu já gostei mais?

- Mas eu tenho uma razão: fiquei desanimado desde que perdi minha esposa e meu filho foi morar fora do país.

- E o senhor vai passar a noite de Natal sozinho? - perguntei, sem pensar que era uma intromissão da minha parte.

Ele deu de ombros e sorriu com jeito de menino.

- Na hora, sempre surge alguém. Ano passado, levei a comida para a portaria e dividi com os funcionários. Foi muito bom!

- Ah, sim! Puxa, bonito isso.

Outra chamada preferencial. Ele cedeu novamente a vez. A fila do caixa comum parecia travada. Respirei fundo. Era preciso ter paciência?

Peguei o celular e comecei a olhar os meus e-mails, enquanto isso. Era uma maneira de me manter ocupada e longe de toda a confusão ao meu redor. O trânsito parado e o vai-e-vem nas calçadas me deixavam ansiosa. Ainda precisava embrulhar os presentes e começar a organizar o que iria cozinhar. Que roupa usaria na ocasião? Suspirei. Calma, pensei, Natal é só uma vez por ano.

- Eu mesmo preparo a ceia.

- O senhor gosta de cozinhar. Que bom!

- Minha esposa passou os últimos anos dela em cima de uma cama e eu fui aprendendo a me virar?

- Entendo.

- Mas sou meio devagar e costumo deixar tudo para resolver em cima da hora.

- Ai, eu também! Todo ano, eu falo que vou me organizar melhor no ano seguinte, mas, que nada! - Suspirei. - Demoro a entrar no clima natalino, para ser sincera.

- E só faz tudo para agradar à família?

Balancei a cabeça afirmativamente. Nós rimos. Atrás de nós, a fila crescia.

Minha amiga disse, na semana passada, não entender como eu, católica, não gostava de comemorar o nascimento de Jesus. Tentei explicar para ela que gostar de Jesus não me obriga a ter de gostar de toda essa compulsão consumista coletiva, quase obrigatória no Natal. Jesus não tem nada a ver com o meu desânimo natalino. Ele não é o responsável por isso, as pessoas sim.

- Sabe, desde que eu fiquei viúvo, tento ficar o menos possível trancado em casa, sozinho.

Olhei para ele, sem entender.

- A solidão costuma matar os velhos mais rápido.

Sorri, sem saber o que dizer.

- Na rua, sempre encontro alguém com quem conversar.

Balancei a cabeça, concordando. E entendi a sua falta de pressa

- Próximo! - a moça do caixa comum chamou.

Tentei sorrir, pensando que poderia ser a minha vez, se ele não tivesse dispensado o benefício de atendimento preferencial. Fazer o quê? Um senhor de idade querendo atenção. Tudo bem. Relaxei. Isso, sim, deve ser o verdadeiro espírito natalino. Ter empatia pelo outro, mesmo quando ele atrasa a sua vida.

- Pode ir você, minha querida - ele disse, de repente. - Não tenho pressa nenhuma em chegar em casa. Não tem nada lá. Já aqui?

- Tem certeza?

- Claro. Pode ir. Já te aluguei demais.

- Obrigada!

Natal é aquela época do ano em que, geralmente, a gente cozinha bastante para quem não tem fome de verdade e dá muitos presentes para quem não precisa realmente. Sempre penso isso. Um dia, ainda preciso fazer diferente, ir para as ruas com um banquete e montar uma árvore entre os necessitados. Acho que Jesus pregava isso e a gente acabou entendendo tudo errado.

- Feliz Natal - eu disse para ele, antes de ir embora, mas o senhorzinho não me ouviu. Conversava distraidamente com outros clientes.


Cátia Porto é natural do município de Maricá, no estado do Rio de Janeiro. Esposa e mãe de três filhos. Professora desde muito jovem, apaixonada pela Língua Portuguesa, pela leitura e escrita. Atualmente, escreve poesias, contos e crônicas, tendo trabalhos publicados em diferentes antologias. O autoconhecimento, as relações humanas, os problemas sociais e a questão ambiental são temas recorrentes em seus textos.

 

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